Fevereiro foi o mês em que finalmente consegui colocar minha newsletter diferentona no ar. Com um formato de narrativa literária, Sara se aventura pelas notícias de eventos culturais enquanto você pode conhecer as fontes dos dados e ter mais informações sobre eles clicando nos links. Essa é a primeira parte e todo mês Sara trará mais um pedaço dessa história com novidades da vida cultural e boêmia que ela encara no seu dia-a-dia em busca de uma lembrança do que aconteceu com ela em janeiro deste ano.
Janeiro passou e eu nem vi |
Prólogo Curitiba, fevereiro de 2025.
Um escritor, um tanto envergonhado, precisa confessar algo: a primeira newsletter, prometida para janeiro, bem… atrasou. Culpa da procrastinação? Da ressaca de fim de ano? Ou talvez… do próprio mistério que envolve o janeiro passado de Sara?
— O que aconteceu com você em janeiro, Sara? — Pergunta o narrador, com uma ponta de curiosidade.
Sara, nossa personagem curitibana que se aventura pelo hiperespaço cultural da cidade, sorri enigmaticamente. Janeiro… ah, janeiro foi um mês e tanto para ela. Mas o que exatamente aconteceu? Isso, caros leitores, é o nosso mistério para este início de série.
— Não vão me deixar de fora dessa fofoca, né? – Sara reclama, materializando-se ao lado do narrador (essa personagem tem uns poderes estranhos…). — Eu também quero saber qual é o mistério do meu janeiro passado! Eu mesma não lembro de nada! É como se… um véu cobrisse minha memória!
Calma, Sara, calma. O mistério será revelado… aos poucos. Talvez ao longo desta newsletter de fevereiro, talvez em edições futuras. Afinal, qual seria a graça de desvendar tudo de uma vez? E, para ser sincero, precisamos de material para as próximas edições, não é mesmo?
— Mas e a newsletter de janeiro que nunca existiu? Os leitores não vão ficar perdidos? — O narrador, sempre preocupado com a audiência e com a minha reputação de escritor minimamente responsável.
Relaxa, narrador! Nós somos escritores criativos, damos um jeito nisso. Vamos começar fevereiro como se nada tivesse acontecido. E o mistério de janeiro… bem, esse será o nosso tempero especial para toda a série. Quando eu estalar os dedos, nenhum de vocês se lembrará dessa conversa e terá percebido que janeiro passou tão rápido quanto o som desses dedos.
CLAP! |
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Capítulo 1 Pré-carnaval
A imagem se repete como todo final de semana: os paralelepípedos do calçamento da velha rua centenária estão cheias de pedestres e bêbados. Algumas mesas de bar estão espalhadas pelo calçamento e outras são colocadas em um vai e vem de garçons, no momento em que os bares da região estão abrindo ou expandindo seu espaço para a área externa, onde receberão mais e mais pessoas naquela noite. A atmosfera vibrante, misturada com o cheiro de cerveja e petiscos, já anunciava: o fim de semana em Curitiba finalmente havia chegado.
É em um desses garçons que Sara quase esbarra. Ele trazia duas cadeiras de madeira desmontadas e ao virar-se viu o rosto assustado da mulher. Tão rápido se desculpou, que Sara sentiu-se sem graça e também pediu desculpas.
Desculpas por quê? Ora bolas, talvez o garçom havia se assustado com o seu visual. Naquele fim de tarde, alguém vestida de branco dos pés à cabeça em um lugar que, nos dias de garoa, um simples pisar em uma pedra solta faz espirrar barro por toda a roupa… só poderia ser uma assombração. Ou uma curitibana desavisada sobre os perigos fashionísticos do Largo da Ordem.
Não, Sara não é uma assombração. Ela só descia a rua para encontrar o bloquinho de pré-carnaval chamado BacksteetBloco. O dia era de look total white e ela havia até escovado os dentes com creme dental de carvão, para que eles reluzissem na luz negra. É claro que não teria luz UV ali, ainda era dia, mas quem sabe até a noite ela surgisse. “Exagerada? Jamais!”, pensou Sara, enquanto ajustava seus óculos de sol brancos.
— Oie — disse ela ao encontrar com os amigos que já cantavam a plenos pulmões uma música que ela jurava ser nova, mas… — Que música é essa?
— Toxic, da Britney — respondeu Alex com superioridade veterana, como se Sara tivesse acabado de cometer a maior gafe cultural da história. — Você não tá reconhecendo porque o ritmo é outro. Menina, é Carnaval!
A ficha caiu. Realmente era Toxic, da Britney Spears, mas tocada em uma batida carnavalesca. Uma loucura. Seu rosto manteve-se inerte enquanto os neurônios faziam as sinapses necessárias para reunir a informação da antiga música e adicionar o ritmo desta nova. O olhar perdido mirou um cartaz colado na parede, mostrando que todo final de semana até o carnaval haveriam bloquinhos como aquele na região. “Todo fim de semana? Meu fígado não aguenta…”, ponderou Sara, já pensando em como equilibrar a vida social e a sanidade nos próximos meses.
— É a primeira vez dela aqui? — perguntou uma amiga de Alex, observando a expressão confusa de Sara.
— Sim, nunca veio antes em um bloquinho daqui, acredita? — respondeu Alex, com um tom de quem apresentava uma criatura exótica para o grupo.
— Não sou muito de carnaval, sabe? — Sara respondeu quando voltou a si, sentindo um leve rubor nas bochechas. — E achei que Curitiba morria nessa época.
Alex e sua amiga sorriram, cúmplices.
— A cidade dá uma falecida no carnaval, sim, mas antes disso tem muita coisa rolando. Já nos feriados, pessoal desce pra praia, onde também tá rolando muita coisa nesse verão. Eu prefiro ficar aqui.
Alex se animou ao ouvir os primeiros acordes de “Não Quero Dinheiro” do Tim Maia e se enfiou no meio do maracatu atômico. Sara sorriu, balançou a cabeça e se deixou levar pela música, pelo ritmo e pela energia que nem as nuvens escuras se acumulando em cima da sua cabeça iriam tirar.
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Capítulo 2 O quarto rotativo
Já era dia mais uma vez. As pernas de Sara doíam como se tivessem sido esmagadas por um rolo compressor. Também, quem dera, dançou a noite inteira como não fazia há anos. Há décadas, talvez. Quem sabe já houve um momento anterior em que tivesse dançado tanto, mas ela não lembrava, muito menos suas pernas e articulações. “Na próxima vez, levo a cadeira de praia… ou alugo um andador”, pensou Sara.
O teto estava rodando. Por alguns segundos, ela pensou se não estava no prédio giratório, um edifício milionário em que cada andar era ocupado por apenas um apartamento que poderia ser girado trezentos e sessenta graus para acompanhar o sol, ou fugir dele. A lenda hoje está abandonada, nunca foi sequer ocupado. Apesar disso, uns vidros já não existiam nas janelas, será que alguém morava lá dentro? Será que ela estava dentro dele?
Poderia ainda sentir a tontura do excesso de álcool da noite passada, mas sabia que não chegaria a atitudes tão inesperadas quanto essa. Com ânsia, tentou levantar a cabeça do travesseiro, mas a pontada repentina que sentiu no cérebro a fez deitar novamente.
— Nunca mais eu vou beber! — disse em tom de brincadeira, mas com uma pontada de verdade no fundo da voz.
Quando levantou para escovar os dentes, com passos cambaleantes, ficou encarando por cerca de um minuto o folder do Alcoólicos Anônimos que estava sobre a mesa. Só foi interrompida de seus pensamentos quando seu celular tocou. Era Alex.
— Amiga — a voz explodiu seu ouvido pelo alto-falante do celular. — Você viu que as vagas para a oficina de escrita se esgotaram? Conseguiu se inscrever?
Sara levou alguns segundos para responder. Aparentemente o álcool roubava sua memória recente, além da coordenação motora.
— Sim, consegui — respondeu, com um fio de voz, ainda lutando contra a ressaca.
— Ah, eu me enrolei e não peguei minha vaga! — Lamentou Alex, com um tom dramático de quem perdeu a última boia do Titanic.
— Não se preocupe. Tem outras oficinas rolando. Fica de olho na página da Fundação Cultural de Curitiba que eles sempre postam quando tem alguma oficina nova com inscrição gratuita.
— Ah, amiga, mas eu queria fazer a oficina com você! E também queria fazer essa aí com o Paulo Pera. Dizem que ele é o melhor que temos na cidade! — Insistiu Alex, com a teimosia de um bom canceriano.
— Ah é? Eu nunca ouvi falar dele antes. Quando fui me inscrever na oficina, acabei lendo um texto que ele escreveu. Achei bem… medíocre — completou, com um toque de esnobismo literário que nem ela sabia que possuía. — Bom, sei que vai ter uma nova turma no semestre que vem, então, se quiser fazer, fica de olho. Vou te avisando…
— Tá bem — Alex finalmente cedeu. — Não esqueça que tá quase na hora do outro bloquinho, hein?
Ela enviou o link do perfil da FCC e depois começou a escrever uma bela desculpa na conversa com o amigo:
“ai, to muito cansad…” APAGA “Amigo, se divir…” APAGA “Menino, acho que peguei no sono sem querer e só acordei ago…”
Fechou a conversa no celular, tomou um banho bem rápido para tirar a dor de cabeça, uma coca zero geladinha e partiu para o bloquinho Ela Pode, Ela Vai. Deveria aproveitar tudo que o fim de semana estava lhe oferecendo, pois o dia seguinte seria segunda-feira, e então ela poderia começar a reorganizar sua vida. Ou pelo menos tentar, né? |
Capítulo 3 Janeiro passou e eu nem vi
Sara não conseguia parar de olhar para sua agenda e tentar identificar qual das ações deveria tomar primeiro. Achar um novo apartamento? (urgente!). Buscar um novo emprego? (prioridade máxima!). Organizar-se para todos os cursos que se inscreveu? (calma, Sara, um passo de cada vez!).
Voltou para a página anterior. O mês passado estava vazio, um vácuo total. Nenhuma marca na agenda. Isso justificava o motivo dela ter sentido que nada tinha feito em janeiro. Mas as marcas de café – que ela reconhecia como suas, vício incurável – e uma mancha vermelha que ela não sabia se era guache, sangue ou uma caneta estourada mostravam que ela reviu aquela página vazia mais de uma vez, em diferentes momentos de desespero e insônia, apesar de não lembrar absolutamente nada desses acontecimentos. Era como se janeiro tivesse sido abduzido por alienígenas e devolvido para ela em branco, sem nenhuma lembrança, apenas com resquícios de cafeína e… tinta vermelha?
Ela precisava esfriar a cabeça, era isso. No calor estranho de trinta graus em Curitiba ela não estava conseguindo pensar direito. Deu uma olhada nos eventos gratuitos que aconteceriam no litoral no verão e se interessou pelo show do Rick e Renner e Titãs. Iria pegar um sol, um mar e curtir umas músicas que cresceu ouvindo. Talvez o ar salgado e a brisa marítima lhe fizessem refletir melhor sobre como continuar a vida depois do que havia passado em janeiro…
— Mas o que foi que aconteceu mesmo em janeiro? — A pergunta escapou de seus lábios, em um sussurro quase inaudível, enquanto encarava fixamente a agenda vazia, como se esperasse que ela respondesse magicamente.
Balançou a cabeça, expulsando aquele pensamento obsessivo. Não era hora de ficar revirando aquilo. “Foco, Sara, foco no presente!”, repreendeu-se. Só teria que ir curtir um pouco o litoral, recarregar as energias e retornar para a cidade até o carnaval, para acompanhar com os amigos a transmissão do Oscar na fachada do Cine Passeio e ver a Fernanda Torres subindo no palco TOTALMENTE PREMIADA. |
E aí, se interessou em saber até onde Sara vai para buscar suas respostas? Você também não se lembra o que fez em janeiro desse ano? Assine a newsletter e não fique de fora: www.paulopera.com/newsletter
Até mês que vem, se não tiver um fevereiro apagado da memória...
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